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TDAH: Sintomas, significados e o olhar da Psicanálise

  • Foto do escritor: Vinícius R. de Oliveira
    Vinícius R. de Oliveira
  • 20 de jul.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 23 de jul.

Uma reflexão sobre tipos de abordagens terapêuticas e a importância de olhar além dos comportamentos aparentes


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Quando se trata do tratamento do TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), a terapia cognitivo-comportamental (TCC) é frequentemente considerada a abordagem mais comumente considerada. A recomendação genérica é: TCC e medicação como tratamentos de primeira linha.

No entanto, essa abordagem predominantemente sintomática levanta uma questão fundamental: e quando os comportamentos que observamos - a desatenção, a hiperatividade, a impulsividade - não são apenas sintomas a serem "atacados", mas mensagens de um sofrimento mais profundo?


A Psicanálise: uma abordagem contextual

A abordagem psicanalítica, que foca na exploração do inconsciente e nas experiências relacionais, pode parecer inadequada para abordar “déficits neurológicos” específicos.

Porém, existe uma perspectiva importante a ser considerada: nem sempre os sintomas que se apresentam como "TDAH" têm raízes predominantemente neurobiológicas. Muitas vezes, o que vemos como hiperatividade, desatenção ou impulsividade pode estar comunicando angústias emocionais profundas que precisam ser escutadas, não suprimidas.

Quando os fatores neurobiológicos não são tão evidentes

A prática clínica revela que muitos casos apresentam sintomas semelhantes ao TDAH, mas com origens predominantemente emocionais ou relacionais. Diversos fatores podem produzir comportamentos que mimetizam o transtorno:


Traumas e Adversidades Precoces

Uma criança que vivenciou abuso, negligência ou violência pode desenvolver hipervigilância constante, que se manifesta como inquietação e dificuldade de concentração. O que parece desatenção pode ser, na verdade, uma mente ocupada processando trauma, sempre alerta para possíveis perigos.

Dinâmicas familiares disfuncionais

Crianças expostas a conflitos conjugais constantes, inconsistência parental ou parentalização precoce podem desenvolver sintomas que parecem TDAH. A "hiperatividade" pode ser uma forma de expressar angústia que não conseguem verbalizar.

Ansiedade intensa

Este é um dos fatores mais comuns na prática clínica. A ansiedade consome recursos cognitivos enormes, deixando pouco "espaço" disponível para atenção focada. A inquietação motora ansiosa pode ser praticamente idêntica à hiperatividade do TDAH.


Questões de apego e vínculo

Crianças com apego inseguro podem ter dificuldades de concentração porque parte de sua energia está constantemente direcionada para monitorar a disponibilidade emocional dos cuidadores.


A ansiedade difusa: um fenômeno contemporâneo

Na experiência clínica, observa-se frequentemente uma ansiedade que se tornou difusa, infiltrando praticamente todos os aspectos da vida infantil. Crianças e adolescentes apresentam ansiedade pelas aulas, pelas provas, pela performance nos esportes, pelas relações sociais, pelo tempo disponível para atividades prazerosas - um estado de alerta constante que produz sintomas muito similares ao TDAH.


A Questão Temporal

Um aspecto particularmente revelador é a relação dessas crianças com o tempo. Elas estão sempre perguntando "quanto tempo ainda temos?" ou "está perto de terminar?". É como se não conseguissem habitar o presente, sempre antecipando o fim, o que vem depois. Para essas crianças, o tempo parece ser vivido como algo que "corre atrás" delas, uma pressão constante que impede a concentração no momento atual.

Uma reflexão importante emerge quando observamos que muitas crianças hoje vivem com agendas semanais extremamente cheias - não necessariamente em escolas de turno integral, mas com múltiplas atividades em locais diferentes que exigem ajustes temporais cronometrados constantes.


O paradoxo do "fazer tudo"

Uma frase que é quase um mantra da parentalidade: "faço tudo para que ele tenha a melhor formação possível". Esta declaração, aparentemente dedicada e cuidadosa, frequentemente revela uma ansiedade parental profunda disfarçada de cuidado.

Quando os pais dizem isso, muitas vezes estão expressando uma fantasia de controle total sobre o futuro da criança, como se fosse possível garantir sucesso e felicidade através da multiplicação de atividades e oportunidades. É uma forma de tentar lidar com a própria ansiedade diante das incertezas da vida.

A criança absorve a mensagem implícita: "preciso estar sempre fazendo algo produtivo para ser amado/valorizado". Ela internaliza que seu valor está condicionado à performance, ao aproveitamento máximo das oportunidades. Não é à toa que chegam ao consultório perguntando constantemente sobre o tempo - foram ensinadas que tempo "perdido" é algo perigoso.


O cuidado que desampara

O paradoxo é que, tentando proteger a criança de todas as possíveis "faltas" futuras, os pais acabam criando uma falta no presente - a falta de tempo para simplesmente existir, para processar, para elaborar. A criança fica desamparada diante de sua própria experiência interna porque nunca há tempo para ela.


O sistema que se retroalimenta

Diferentes instituições convergem nessa mesma direção da aceleração e polivalência. A escola que cobra mais atividades extracurriculares, o neuropediatra que sugere mais terapias, o neuropsicólogo que identifica mais "áreas a serem trabalhadas". Cada profissional, bem-intencionado em sua área, contribui para essa multiplicação de demandas sobre a criança.

O prefixo "neuro" virou uma espécie de selo de cientificidade que torna as recomendações quase irrefutáveis. Se o problema é "neurológico", então precisa ser "trabalhado" intensivamente. Questionar isso pode parecer anti-científico.


O desafio clínico

Para questionar esse status quo, o profissional precisa de uma relação muito sólida com os pais, porque está propondo algo que vai contra toda uma cultura. É quase como sugerir que parem de "cuidar bem" da criança - pelo menos na lógica dominante.

O irônico é que o "cuidar bem" virou sinônimo de fazer mais, ofertar mais, estimular mais. Quando se sugere que talvez a criança precise de menos agenda, menos atividades, mais tempo livre, os pais podem até se sentir culpados, como se fossem negligentes.


O trabalho analítico: atravessando a pressa

No setting analítico, observa-se que é necessário um tempo para que a "pressa" seja atravessada. A psicanálise oferece algo raro: um tempo que não é cronometrado na experiência da criança, mesmo que tenha duração definida. Um tempo “onde” ela pode simplesmente ser, sem que nada precise ser produzido ou concluído.

Inicialmente, essas crianças podem ter dificuldade com esse tempo mais lento, mais contemplativo. Elas podem trazer a mesma pressa, a mesma ansiedade temporal para o consultório. Mas gradualmente, ao experimentarem um tempo diferente - onde não há cobrança de performance, onde podem explorar, divagar - algo se transforma.


A Psicanálise como abordagem subversiva

A boa psicanálise sempre foi subversiva. Ela nasceu questionando a moral de uma época e continua sendo na medida em que se recusa a simplesmente adaptar as pessoas ao que está posto.

Enquanto a maior parte das abordagens tenta ajustar a criança ao sistema (mais concentração para acompanhar a escola acelerada, mais habilidades sociais para se encaixar), a psicanálise pergunta: "Mas e se o problema não for da criança? E se for do sistema?"

É subversivo questionar se uma criança que não consegue ficar quieta por 6 horas seguidas na escola tem um "transtorno" ou se a escola é que tem um formato inadequado. É subversivo sugerir que talvez a "desatenção" seja uma forma sábia de se proteger de um mundo que bombardeia constantemente.


A importância da avaliação integral

Uma avaliação verdadeiramente integral deve incluir não apenas os sintomas comportamentais, mas também a história detalhada do desenvolvimento, o contexto familiar e social, a cronologia dos sintomas, a observação da criança em diferentes contextos, a escuta de sua subjetividade e a avaliação das dinâmicas relacionais.

Só assim é possível distinguir entre um TDAH e sintomas similares de origem emocional.


Conclusão: a escuta do que incomoda

A psicanálise sempre foi sobre escutar aquilo que incomoda - o sintoma, a resistência, o que "não funciona". Em vez de tentar eliminar rapidamente o que incomoda, ela pergunta: "O que isso está tentando dizer?"

Talvez a maior subversão seja tratar a criança como sujeito do próprio desejo, não como objeto de projetos parentais ou adaptação social. É oferecer um espaço onde o "improdutivo" tem valor, onde pode-se pensar sem pressa, onde os sintomas podem ser escutados como mensagens a serem compreendidas, não apenas suprimidas.

Nesse contexto, a psicanálise pode ser fundamental - oferecendo à criança a possibilidade de elaborar e ressignificar suas experiências de uma forma que abordagens mais diretivas talvez não consigam.

É uma bela missão, essa de preservar espaços de subversão saudável numa cultura que muitas vezes confunde cuidado com aceleração, e amor com performance.

 
 
 

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2020. Vinícius R. de Oliveira

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