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Adicção e ligação objetal: compreendendo as diferentes formas de relação com as drogas

  • Foto do escritor: Vinícius R. de Oliveira
    Vinícius R. de Oliveira
  • 21 de dez. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 23 de jul.



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Quando falamos sobre uso de drogas, é fundamental compreender que nem todo consumo representa a mesma dinâmica psíquica. Existe uma diferença crucial entre o uso social e o uso objetal que caracteriza a adicção. Esta distinção nos ajuda a entender não apenas os diferentes padrões de consumo, mas também as possibilidades de intervenção e tratamento.

A "Viagem" adolescente: onde tudo começa

A adolescência representa um momento privilegiado para compreendermos o início do engajamento com drogas. Não se trata aqui de uma visão desenvolvimentista, mas sim de reconhecer que este período da vida oferece condições específicas para diferentes tipos de "viagem".

O próprio termo viagem é revelador: contém a palavra "via", sugerindo um caminho particular para outras vivências. Para o adolescente ainda não inserido na dinâmica social adulta, a droga pode representar uma aventura, uma experiência individualizada que se diferencia da familiar.

"A adicção é justificada pelo adolescente em nome de uma recusa da situação que lhe é criada, como modo de evasão de um mundo fechado" - Rassial


O espaço único da droga: entre o interno e o externo

Uma das contribuições mais interessantes para pensarmos a questão das drogas vem da comparação com o objeto transicional de Winnicott. Lembram da famosa questão sobre o brincar: "Se o brincar não está dentro nem fora, onde está ele?"

A droga ocupa um espaço similar - não está completamente na realidade interna nem na externa, mas num espaço intermediário que o sujeito inventa para si. Este espaço diferenciado permite ao usuário criar "um campo espaço-temporal diferente da realidade socialmente organizada".

É aqui que encontramos desde o uso criativo (artistas que usam substâncias para aumentar a criatividade) até o uso ritualístico (referências a caminhos sagrados). O problema surge quando o sujeito passa a depender da droga como ponto de apoio de suas funções imaginárias, levando-o a se abster do trabalho de representação.


Os diferentes tipos de "Viagem"

Cada substância produz efeitos específicos que criam diferentes modalidades de experiência:


Efeito planador (cannabis, ópio em doses baixas)

• Desaceleração temporal e motora

• Encobrimento de sensações desagradáveis

• Na "viagem ruim": delírios relacionados ao corpo


Efeito trip (LSD e alucinógenos)

• Nova experiência espaço-temporal completa

• Pode levar à perda total da realidade

• Na "viagem ruim": ansiedade paranóide intensa


Efeito flash (heroína)

• Efeito imediato após injeção

• Descrito como "explosão orgástica"

• Perturbação completa da dimensão corporal


Efeito speed (anfetaminas, cocaína)

• Aceleração dos processos intelectuais

• Estado de vigília prolongado

• Pode levar a temas compulsivos e persecutórios


Uso social vs. solidão: a diferença crucial

Uma distinção fundamental para compreendermos a adicção está na dialética entre uso grupal e uso solitário.


Uso social

• Participação em ritos sociais

• Busca por identificação grupal

• A droga funciona como uso significante

• Permanece dentro da estrutura simbólica disponível


Uso solitário (adicção)

• Engajamento narcísico

• A droga como objeto de demanda

• O adicto tem um objeto específico na abstinência

• A droga insiste em dar sentido à falta-a-ser do sujeito


O "Outro Gozo": quando a linguagem é evitada

Na adicção, o sujeito busca um tipo específico de gozo - o gozo do Outro - que não passa pela linguagem nem pela mediação simbólica. Diferente do gozo fálico (organizado pela genitalidade e que segue a via do desejo), este gozo prescinde da linguagem.

Somente a droga é reconhecida como complemento necessário, criando um ciclo que perpetua a crença no gozo obtido diretamente no próprio corpo. É um gozo que, não sendo limitado pela simbolização, só pode ser limitado pela morte - daí a propensão dos adictos ao risco de overdose.


Alcoolismo vs. adicção: diferentes relações com o social

O alcoolista:

• Valoriza o convívio social (mesmo que de forma problemática)

• Quer fazer parte do laço social

• Move-se por uma "nostalgia neurótica" de um estado indiferenciado

• Mentirá para ser aceito ou rejeitado, sempre tentando dialogar


O adicto:

• Está alheio ao mundo

• Sente-se orgulhoso por habitar espaço diferenciado

• Rejeita o ordenamento social

• Age contra os outros, em nome do Outro

• Busca não um estado, mas um instante de "ejeção para sair do mundo"


A questão da intervenção: há outro caminho?

A lógica do adicto produz mais uma reedição da demanda do que um ideal de gozo. Pensar a droga como objeto de demanda abre possibilidades de intervenção, pois se o ato é equivalente a uma palavra, pode ser que o sujeito consiga construir outro tipo de demanda.

O risco é constituir novamente um circuito demandante fechado - outra dependência. O outro caminho supõe que o sujeito possa:

1.Suportar a depressão que o levou à droga

2.Reinstaurar a divisão subjetiva

3.Fazer suposição de saber no Outro (fundamental para o vínculo transferencial)


O perigo dos "ajustados": reflexões sobre nossa sociedade

Vivemos numa sociedade de "adesão maciça" em busca de diagnósticos e receitas médicas para cada mal-estar. A lógica do pharmakon (substância que traz ajustamento) domina nossa época:

• "Tá assim? Toma antidepressivo"

• "Tá assado? Toma ansiolítico"

• "Aluno desatento? Dá-lhe ritalina!"

Constrói-se assim um mundo de "ajustados", onde cada substância promete ativar todo nosso potencial desperdiçado. Mas como pensar a sublimação nesse paraíso de metas tão acertadas?


Considerações finais: o papel da Psicanálise

A contribuição da psicanálise para compreensão e tratamento da adicção é fundamental por estar fora do princípio médico "doença-cura". Ela pode propor ao adicto um caminho que permita reinstaurar a divisão subjetiva.

O adicto acredita que só ele detém o saber sobre drogar-se. Por isso não faz suposição de saber no Outro - ponto de partida necessário para o vínculo transferencial e a implicação subjetiva em sua história particular.

A resistência não é apenas fisiológica, mas também da própria linguagem, que força o sujeito a falar e fazer seu luto. Daí a necessidade de doses cada vez maiores para manter-se afastado da fala - caminho que aponta para um gozo total e mortífero.

 
 
 

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2020. Vinícius R. de Oliveira

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